Fonte: http://mesamarcada.blogs.sapo.pt/464974.html
Autoria do artigo: Miguel Pires
Fotos: Vasco Célio
Reprodução autorizada
Vítor Sobral é português de costela alentejana e César Santos brasileiro, de Pernambuco. Entre ambos há um oceano e com ele ingredientes e culturas diferentes os separam. Neste contraste, é mais o que os une do que aquilo que os distingue e isso ficou patente no menu que apresentaram nestes dias 8 e 9 de dezembro, na Tasca da Esquina de São Paulo - no âmbito do Portugal dos Sabores, um evento inserido nas comemorações do Ano de Portugal no Brasil.
Vítor Sobral é conhecido por reinterpretar, com base na cozinha tradicional portuguesa; César Santos, por fazer o mesmo com a cozinha regional do Nordeste (do Brasil). Acresce ainda o facto de o português ter introduzido, há muito, elementos brasileiros nas suas propostas e de o brasileiro reconhecer na culinária lusa a génese da sua cozinha.
Coube ao chef Sobral abrir as hostes com dois amuse bouche. Primeiro, um creme de tomate frio, a lembrar um gaspacho, com um envolvente picadinho de atum marinado; depois, um pastel de bacalhau (ou bolinho de bacalhau, como é conhecido no Brasil) com ovas de salmão - uma boa opção, já que as ovas transmitiram um toque de acidez e uma maior profundidade de sabor à tão apreciada iguaria lusa. Seguiu-se-lhes a primeira entrada, da responsabilidade de César Santos: 'Jiló Sabor Amor'. O jiló é uma espécie de mini beringela nordestina, que se ama ou que se odeia - mas, quando recheada com camarão, "não tem como não gostar", como referiu o chef na apresentação do prato. Pode não ter sido uma proposta consensual, mas ninguém poderá dizer que lhe faltava personalidade.
Luís Espadana (o chefe residente de Sobral em São Paulo) finaliza 0 'Jiló Sabor Amor'de César Santos
Ainda no mesmo capitulo, Sobral apresentou um folhado de galinha de Angola, creme de goiaba, maçã e anis estrelado, proposta que se revelou vencedora. Pela qualidade da galinha, pela maneira como foi trabalhada - com a elegância e o primor técnico do folhado a permitir conservar os sucos da carne sem empapar o exterior - e, por último, pelo tempero e pela conjugação com os outros elementos, nomeadamente com o doce/ácido da goiaba.
Este prato abriu caminho para o 'bacalhau nas especiarias', a proposta de César Santos para "unir três continentes", ou como o próprio confessou, a forma de superar a dificuldade de vir a uma casa portuguesa cozinhar bacalhau. Envolver o fiel amigo numa mistura de especiarias, como anis estrelado, cardamomo, canela, cumaru (a 'baunilha' brasileira) e pão panko (tipo de pão ralado, de origem oriental) podia resultar num conjunto de sabores demasiado exuberante. Mas a verdade é que a combinação surpreendeu pela subtileza exótica das conjugações.
Sobral acompanha o empratamento do seu prato, "folhado de galinha de Angola, creme de goiaba, maçã e anis estrelado"
Vítor Sobral fez regressar os presentes aos sabores lusos. Na impossibilidade de dispor de porco preto, o português encontrou no javali brasileiro uma boa matéria prima para a transformar a preceito e nos levar de viagem pelo Alentejo. Marinou o lombo em vinha d'alhos e assou-o lentamente até ficar no ponto (rosado). Por baixo da carne, colocou umas fatias de uma incrível cabeça de xara de coentrada (do mesmo javali, creio) e um apontamento cítrico de geleia de laranja.
javali, xara de coentrada e geleia de laranja
A proposta seguinte, 'ananás, farofa de amêndoa e queijo da Serra', foi uma forma diferente (e interessante) de acompanhar um dos mais distintos queijos do mundo. Serviu também como introdução light (acreditem!) à potente sobremesa, bem ao gosto luso-brasileiro. 'Coqueiros de Pernambuco' foi como chamou César Santos à parte que lhe coube (côcada e creme de leite com côco), tendo o português respondido com um Toucinho do Céu de amendoim. Para refrescar o conjunto, os chefs juntaram-lhe um sorvete de pêra (avé César, avé Sobral!).
Inteligente foi também a escolha do escanção Arnaud Vallet para este prato: o espumante Vértice Rosé 2010, cuja acidez e toque a frutos vermelhos trouxe a frescura necessária ao conjunto. Vallet escolhera o espumante Reserva, da mesma casa, para as boas vindas; o Alvarinho Contacto 2011, para os amuse bouche; o Monte da Peceguina Rosé, para as entradas; o Pêra-Manca Branco 2009 (no primeiro dia) e o Cartuxa Colheita Branco 2009 (no segundo dia), com o bacalhau; o Chryseia 2008 (no sábado) e o Marias da Malhadinha 2007 (no domingo), com o javali; e os Niepoort 30 Anos (para dia 8 ) e Graham's 20 Anos (para dia 9).
Nunca é demais destacar a presença constante nestes jantares do Azeite Andorinha, da Água das Pedras e dos cafés Delta Q: além de dignos representantes do que melhor se faz em Portugal, têm sido parceiros fundamentais do Portugal dos Sabores, esta iniciativa do Turismo de Portugal integrada no Ano de Portugal no Brasil.
Autoria do artigo: Miguel Pires
Fotos: Vasco Célio
Reprodução autorizada
Vítor Sobral é português de costela alentejana e César Santos brasileiro, de Pernambuco. Entre ambos há um oceano e com ele ingredientes e culturas diferentes os separam. Neste contraste, é mais o que os une do que aquilo que os distingue e isso ficou patente no menu que apresentaram nestes dias 8 e 9 de dezembro, na Tasca da Esquina de São Paulo - no âmbito do Portugal dos Sabores, um evento inserido nas comemorações do Ano de Portugal no Brasil.
Vítor Sobral é conhecido por reinterpretar, com base na cozinha tradicional portuguesa; César Santos, por fazer o mesmo com a cozinha regional do Nordeste (do Brasil). Acresce ainda o facto de o português ter introduzido, há muito, elementos brasileiros nas suas propostas e de o brasileiro reconhecer na culinária lusa a génese da sua cozinha.
Coube ao chef Sobral abrir as hostes com dois amuse bouche. Primeiro, um creme de tomate frio, a lembrar um gaspacho, com um envolvente picadinho de atum marinado; depois, um pastel de bacalhau (ou bolinho de bacalhau, como é conhecido no Brasil) com ovas de salmão - uma boa opção, já que as ovas transmitiram um toque de acidez e uma maior profundidade de sabor à tão apreciada iguaria lusa. Seguiu-se-lhes a primeira entrada, da responsabilidade de César Santos: 'Jiló Sabor Amor'. O jiló é uma espécie de mini beringela nordestina, que se ama ou que se odeia - mas, quando recheada com camarão, "não tem como não gostar", como referiu o chef na apresentação do prato. Pode não ter sido uma proposta consensual, mas ninguém poderá dizer que lhe faltava personalidade.
Luís Espadana (o chefe residente de Sobral em São Paulo) finaliza 0 'Jiló Sabor Amor'de César Santos
Ainda no mesmo capitulo, Sobral apresentou um folhado de galinha de Angola, creme de goiaba, maçã e anis estrelado, proposta que se revelou vencedora. Pela qualidade da galinha, pela maneira como foi trabalhada - com a elegância e o primor técnico do folhado a permitir conservar os sucos da carne sem empapar o exterior - e, por último, pelo tempero e pela conjugação com os outros elementos, nomeadamente com o doce/ácido da goiaba.
Este prato abriu caminho para o 'bacalhau nas especiarias', a proposta de César Santos para "unir três continentes", ou como o próprio confessou, a forma de superar a dificuldade de vir a uma casa portuguesa cozinhar bacalhau. Envolver o fiel amigo numa mistura de especiarias, como anis estrelado, cardamomo, canela, cumaru (a 'baunilha' brasileira) e pão panko (tipo de pão ralado, de origem oriental) podia resultar num conjunto de sabores demasiado exuberante. Mas a verdade é que a combinação surpreendeu pela subtileza exótica das conjugações.
Sobral acompanha o empratamento do seu prato, "folhado de galinha de Angola, creme de goiaba, maçã e anis estrelado"
Vítor Sobral fez regressar os presentes aos sabores lusos. Na impossibilidade de dispor de porco preto, o português encontrou no javali brasileiro uma boa matéria prima para a transformar a preceito e nos levar de viagem pelo Alentejo. Marinou o lombo em vinha d'alhos e assou-o lentamente até ficar no ponto (rosado). Por baixo da carne, colocou umas fatias de uma incrível cabeça de xara de coentrada (do mesmo javali, creio) e um apontamento cítrico de geleia de laranja.
javali, xara de coentrada e geleia de laranja
A proposta seguinte, 'ananás, farofa de amêndoa e queijo da Serra', foi uma forma diferente (e interessante) de acompanhar um dos mais distintos queijos do mundo. Serviu também como introdução light (acreditem!) à potente sobremesa, bem ao gosto luso-brasileiro. 'Coqueiros de Pernambuco' foi como chamou César Santos à parte que lhe coube (côcada e creme de leite com côco), tendo o português respondido com um Toucinho do Céu de amendoim. Para refrescar o conjunto, os chefs juntaram-lhe um sorvete de pêra (avé César, avé Sobral!).
Inteligente foi também a escolha do escanção Arnaud Vallet para este prato: o espumante Vértice Rosé 2010, cuja acidez e toque a frutos vermelhos trouxe a frescura necessária ao conjunto. Vallet escolhera o espumante Reserva, da mesma casa, para as boas vindas; o Alvarinho Contacto 2011, para os amuse bouche; o Monte da Peceguina Rosé, para as entradas; o Pêra-Manca Branco 2009 (no primeiro dia) e o Cartuxa Colheita Branco 2009 (no segundo dia), com o bacalhau; o Chryseia 2008 (no sábado) e o Marias da Malhadinha 2007 (no domingo), com o javali; e os Niepoort 30 Anos (para dia 8 ) e Graham's 20 Anos (para dia 9).
Nunca é demais destacar a presença constante nestes jantares do Azeite Andorinha, da Água das Pedras e dos cafés Delta Q: além de dignos representantes do que melhor se faz em Portugal, têm sido parceiros fundamentais do Portugal dos Sabores, esta iniciativa do Turismo de Portugal integrada no Ano de Portugal no Brasil.